Quando chamam o acarajé de ‘gorduroso demais’, não é só sobre o azeite de dendê — é sobre a história que ele carrega
- Danielle Fava
- 20 de mai.
- 3 min de leitura
Por Danielle Fava, nutricionista e neuropsiocopedagoga. Embaixadora, protagonista e membra de Mães Negras do Brasil.
Olá mulheres maravilhosas!
A primeira vez em que eu comi um acarajé foi quando eu fui à Bahia. Especificamente em Porto Seguro. Foi uma viagem incrível, pois eu pude sentir a minha ancestralidade, conhecer mais sobre a minha cultura. Acho que foi a primeira vez que comecei a entender realmente quem eu era e de onde eu era. Minha mãe é da Bahia e meu pai é de Pernambuco. E as viagens que eu faço ao Nordeste sempre me conectam com quem eu sou. Foi como a primeira vez em que eu estive no Rio São Francisco, bem na divisa com Sergipe, terra da minha vó. Estar naquelas águas foi algo mais que incrível. E além de aproveitar tudo que é de bom do lugar é óbvio, que eu sempre aproveito para experimentar as comidas.

E quando eu comi acarajé foi uma paixão. Eu não sei o motivo pelo qual até então eu nunca tinha experimentado. Mas hoje eu acho que eu entendo. A negação da nossa cultura, da nossa ancestralidade e o apagamento dela é muito forte. E fora de casa, eu não cresci em um meio que favorecesse a minha cultura. Vocês já perceberam o quanto os nossos alimentos tradicionais são chamados de comida “feia” ou “pesada”? E o quanto isso pode nos influenciar desde de criança a rejeitar a nossa ancestralidade? Pois é. Mas isso tem nome: racismo alimentar.
O racismo alimentar está presente diariamente em nossas vidas. Ele é a pratica da desvalorização dos nossos alimentos, dos nossos saberes e das nossas práticas alimentares, considerando-as como inferior, principalmente diante de pratos de origem eurocêntrica e de alimentos industrializados e ultra processados, que são lidos como mais chiques e modernos. Trata-se de mais uma forma de opressão a nossa população, que é manifestada de diversas formas tais como: o não oferecimento de alimentos originários na alimentação escolar, a não contação de nossas histórias alimentares em livros infantis, a exclusão de frutas nativas nos cardápios e, principalmente, na formação e orientação profissional que fazem recomendações eurocêntricas valorizando “o bowl de morango com chia” ou o “suco de mirtilo” em detrimento da “cumbuca de cuscuz com ovo” e do “suco de tamarindo”.
O racismo alimentar está enraizado em nosso processo histórico, desde a colonização, quando os indígenas tiveram as suas práticas alimentares destruturadas à força e, anos depois, durante o período de escravidão, quando os africanos escravizados foram privados de sua comida de origem e precisaram de adaptar ao que tinham. No período pós-abolição, o que o nosso povo comia passou a ser considerado comida de “pobre”.
Não é preciso ir muito longe para ouvir que arroz com feijão engorda, desvalorizando a realidade e a tradição brasileira. Os pratos eurocêntricos pouco têm a ver com a nossa estética alimentar. São de realidades diferentes, clima, disponibilidade, cultura e padrões alimentares diferentes. Achar que o que eles fazem é certo é desvalorizar a beleza da nossa comida, os aromas e sabores de nossos temperos e toda a nossa memória. Comer um prato de feijão com farinha e abóbora não é menos saudável do que qualquer outro prato: existem várias formas de comer bem! Nenhuma delas deve ser superior a outra. Tudo depende do contexto, do momento, do seu estágio de vida, da presença ou não de doenças, etc.
Na minha prática clínica e na minha vida, acredito que alimentação é reconexão: com o corpo, com a terra, com a história e com o coletivo. Alimentar-se bem não é apenas sobre o que está no prato, mas sobre o quanto aquele prato te aproxima de quem você é.
E se comer também for um ato de libertação?
Um grande abraço!
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