A oralidade como forma de ensinar, acolher e alimentar com afeto
- Danielle Fava
- 6 de mai.
- 4 min de leitura
Por Danielle Fava, nutricionista e neuropsicopedagoga. Embaixadora, protagonista e membra de Mães Negras do Brasil.
Olá mulheres maravilhosas!
Todas aqui somos mães e acredito que muitas de vocês já passaram por uma fase na qual a sua criança apresentou dificuldade para se alimentar. Seja por estar doente, por ser uma fase normal da infância ou por algum motivo mais específico, como a seletividade alimentar, a queixa sobre a criança não comer é uma das mais comuns em consultórios de nutricionistas e pediatras.
Particularmente, a minha cria sempre comeu muito bem. As “dificuldades” alimentares que eu tive com ele na infância eram bem diferentes das que os meus pequenos pacientes apresentam na minha prática diária do consultório. Lucas só queria comer coisas “saudáveis”, comida de verdade e pasmem, teve uma professora dele na pré-escola que me pediu para mandar uma “besteirinha” de vez em quando para ele comer.

Mas agora, na adolescência tenho enfrentado outros desafios alimentares com ele, como por exemplo, pular refeições, querer substituir por lanches e guloseimas e rejeitar alguns “verdinhos”, coisas que ele não fazia em criança. E, embora seja algo muito natural dessa fase, devido aos tratamentos da neurodivergência, algumas medicações o levaram ao sobrepeso e como pode ser comum em quadros de TDAH e TOD, acompanhado de compulsão alimentar. Hoje ele está mais estável, mas ainda assim tenho que manter o controle o tempo todo. E ele reclama que sou a “mãe chata” (aquela coisa de adolescente), contudo tem consciência e busca não extrapolar.
Seja qual for a fase em que nossos filhos estejam, manejar essas situações de forma que não sejam estressantes tanto para nós quanto para eles é extremamente importante. Na minha percepção é sempre um momento de nos conectarmos ou reconectarmos com eles com afeto, mas, acima de tudo, de formá-los como sujeitos ativos no processo alimentar.
Uma estratégia que podemos utilizar é usar a oralidade. Nossa, mas ficar falando para crianças e adolescentes? A oralidade vai muito além disso. São momentos de interações atentas e cuidadosas, intencionais, nas quais nos expressamos com amplitude, com presença vinculada à respiração, pausas, gestos, toques, expressões faciais e palavras bem declaradas e pronunciadas (de forma correta, sem uso de fala infantilizada ou diminuitivos), ou seja, demonstrando a fala com todo o corpo, na altura da criança.
Oportunizar essa potencialidade no momento da refeição ou de interação com os alimentos, contando, por exemplo, histórias afetivas com os alimentos, provérbios, cantigas é uma forma de resgatar a nossa ancestralidade, fortalecer vínculos, despertar a curiosidade pelos alimentos e inserir a história da nossa cultura.
Com adolescentes, a história também desperta a curiosidade, mantém viva as tradições, mas também podem ser utilizadas não apenas no momento da refeição, mas convidando-os para cozinhar juntos, trazendo uma receita familiar para ser degustada em família e contar-lhes sobre a origem ou historias familiares, talvez com fotos de momentos com essa receita se tiver. E também aproveitar para gerar novas recordações.

Às vezes são coisas muito simples que ficam registradas nas memórias das crianças e que fazem com que elas aceitem os alimentos. Eu tive um pequeno paciente que costumava muito rejeitar frutas e quando inserimos a laranja, eu contei que ela era a mesma do suco, fui contando para ele de onde ela vinha e antes de ele aceitar a fruta, trabalhamos com o suco. Depois o ensinei a espremer a laranja e aquela experiência foi mágica para ele.
Precisamos deixar as crianças manipularem também a comida. Depois ele foi pingando a gotinha do caldo da laranja espremido direto na boca até o dia em que aceitou chupar a laranja toda. Mas ele precisou conhecer a fruta. Saber que ela tinha os gominhos, que dentro dele é que ficava o suco que tomávamos para finalmente aceitar a fruta inteira. E isso se deu pela oralidade.
Pode ser muito desafiador quando no dia a dia e na rotina não temos tempo. Quantas vezes estamos cansadas e só queríamos que eles comessem? Não precisamos fazer isso todos os dias. Se, inserirmos essas práticas como momentos lúdicos, nas brincadeiras ou em alguma refeição em que tenha uma preparação com um alimento regional ou afrocentrado, dá certo. O tempo com nossos filhos é sempre precioso e quanto mais ele for de qualidade, ainda que seja pouco, melhor para todas nós.
Para finalizar, eu me lembro muito dos momentos em que meu pai me alimentava quando eu era criança. Ele sentava com um único prato de comida, de dava para mim e para minha irmã e ainda comia do mesmo prato. Me lembro dos bolinhos de feijão que meu avô fazia misturando feijão e farinha e dava para cada um dos netos, do meu pai fazendo isso para mim quando eu estava grávida e hoje meu pai faz esses bolinhos para o meu filho. Me lembro da sopa da minha avó quando eu chegava da escola. Se fecho os olhos, o cheiro quase que ainda entra pelo meu nariz. E de cada bolo de aniversário que minha mãe fez nesses meus 44 anos de vida. Quais lembranças, quais afetos e quais histórias queremos deixar para nossos filhos?

Um grande abraço!
Muito Bom Dani, Parabéns! Sem dúvida muito enriquecidos sua abordagem.