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Um olhar sobre as raízes que nos formam

Por Danielle Fava. Nutricionista e Neuropsicopedagoga. Embaixadora, protagonista e membra de Mães Negras do Brasil.


Olá mulheres maravilhosas!


Vamos falar um pouquinho sobre família? Tenho certeza que para cada uma de nós, famíla tem um signficado, não é mesmo? Mas vocês já pensaram sobre como toda essa construção chegou até nós? Por que parece tudo tão bonito, mas nem sempre foi assim e sempre precisamos saber de onde viemos para saber o que queremos para o nosso futuro e das nossas gerações.


A palavra “família” tem origem no latim famulus, que se referia, inicialmente, a um grupo de escravizados pertencentes à casa do senhor. Um início marcado por opressão e hierarquia, que já nos diz muito sobre como a noção de família foi historicamente moldada a partir de estruturas patriarcais e coloniais. Mas, felizmente, esse não é o único caminho possível — e nem o mais antigo.


A definição clássica, como aquela encontrada nos dicionários, apresenta a família como um conjunto de pessoas com laços consanguíneos ou matrimoniais, geralmente formado por pais e filhos, ou por aqueles que habitam o mesmo lar. Essa visão, ainda dominante em muitos contextos ocidentais, limita o conceito a modelos eurocentrados e ignora a riqueza de arranjos que historicamente estruturaram e sustentaram sociedades negras, indígenas e originárias.


Para a psicanálise, especialmente na obra de Freud, a família é o primeiro espaço de constituição psíquica do sujeito. É nela que surgem os primeiros vínculos afetivos, os conflitos, os desejos, e os modelos que estruturam nossa forma de estar no mundo. A criança, ao se desenvolver, internaliza os valores, os silêncios, os afetos e os traumas transmitidos nesse ambiente. Somos atravessadas por essas histórias desde antes do nascimento e carregamos marcas dessa ancestralidade psíquica ao longo da vida.


A família, portanto, não é apenas uma estrutura biológica ou legal. Ela é também uma construção simbólica, afetiva e cultural. Ela forma quem somos, influencia nossa autoestima, nossa forma de amar, de maternar, de nos relacionar com o outro e conosco mesmas.


Antes da imposição dos modelos coloniais europeus, as sociedades africanas e indígenas já viviam estruturas familiares amplas, baseadas em laços de solidariedade, ancestralidade e coletividade. Nessas culturas, a família não se limitava ao casal heterossexual com filhos biológicos.


Nas sociedades africanas de tradição banto e iorubá, por exemplo, a família era organizada por linhagens maternas ou paternas, com forte presença de avós, tios, tias e irmãos mais velhos na criação das crianças. A responsabilidade pelo cuidado era coletiva, e a educação envolvia a sabedoria dos mais velhos e o fortalecimento dos laços comunitários. A afetividade era central, mas não estava restrita à esfera privada. Ela era expressão da força vital que ligava passado, presente e futuro. Já nas comunidades indígenas brasileiras, a família estava integrada ao coletivo da aldeia. Cada criança era responsabilidade de todos; a noção de maternidade e paternidade ia além do vínculo biológico. O bem comum prevalecia sobre a individualidade, e a convivência entre gerações era valorizada como fonte de saber e fortalecimento da identidade. Esses modelos nos lembram que as famílias negras e indígenas sempre foram plurais, resilientes e criativas, muito antes da tentativa de apagamento colonial.


Imagem: Mãe e filho
Imagem: Mãe e filho


Com a chegada da colonização, o modelo de família patriarcal, nuclear e hierárquico foi imposto como norma. Durante a escravidão, nossas famílias negras foram brutalmente desestruturadas. Mães separadas de seus filhos, pais impedidos de exercer o cuidado, laços quebrados à força. Ainda assim, resistimos. Reinventamos a ideia de família nos quilombos, nas redes de apoio entre mulheres, nas comunidades religiosas, nas tias de criação, nos pais de santo e nas madrinhas de coração.


Com a Revolução Industrial, surgem novas mudanças. A divisão rígida de papéis de gênero foi intensificada: o homem como provedor, a mulher como cuidadora. O trabalho infantil se tornou comum, e o tempo de convívio familiar foi reduzido. Mais tarde, já no século XX, assistimos à ampliação dos direitos das mulheres, ao crescimento dos divórcios e à ascensão de famílias monoparentais, reconstituídas e homoafetivas.


A globalização, os avanços tecnológicos e as transformações sociais contribuíram para ampliar a compreensão do que é família. Hoje, reconhecemos famílias formadas por afinidade, por amor, por adoção, por ancestralidade — todas válidas, todas dignas de respeito.


Para nós, mulheres negras, pensar família é pensar também em reconstrução. Nem sempre crescemos em estruturas tradicionais, mas isso não significa que não tenhamos família. Temos. Mesmo quando afastadas, mesmo quando fragmentadas, nossas famílias continuam vivas em nossas memórias, em nossas cicatrizes, em nossos sonhos e em nossas redes de apoio.


A família, na perspectiva afrocentrada, é também espiritual. É conexão com quem veio antes e com quem virá depois. É possibilidade de cura, de reconstrução do cuidado, de ressignificação da maternidade e da criação. É território de afeto, mas também de luta e transformação.


Ao acolher os diferentes arranjos familiares e compreender seus impactos psíquicos, emocionais e sociais, estamos também construindo um futuro mais justo, inclusivo e amoroso. Um futuro em que cada criança negra possa crescer cercada de vínculos seguros, referências positivas e pertencimento.


"Que nossas vozes fluam como rios guiados pelas matriarcas, regando histórias de afeto, força e libertação nas margens da ancestralidade."


Um grande abraço!

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